segunda-feira, 19 de março de 2012

Que Deus é esse?

Eu estive numa festinha de crianças com minha esposa e meu filho por estes dias. A maioria das crianças adora estes eventos e o meu garoto não é diferente. Quem o conhece sabe que ele não é de ficar parado e nem de deixar os outros parados (o pai e a mãe dele, em especial).

Do meio para o fim da festa, uma senhora que presenciou toda a energia e alegria dele veio comentar comigo: “Ele tem medo de você?”. Eu respondi que quando eu fico bravo, sim, ele tem medo. Parecia que eu havia dito a senha correta, pois ela balançou a cabeça positivamente dizendo que é preciso que ele tenha medo de alguém.

Esta afirmativa veio me cutucando por estes dias. Seria preciso mesmo ter medo para obter respeito? Será que o amor não basta? Será que é mesmo o medo do castigo e da perda que mantém nossas relações e, no fim das contas, nossa sociedade unida num mesmo caminhar?

E passei o dia viajando em questões como estas e quando a crise se instala, a arte certamente pode nos apontar uma resposta, como disse Oswaldo Montenegro em “Metade”. E foi ele mesmo, numa outra canção sua, que acabou trazendo um pouco mais de claridade sobre a questão. Veja o clipe da música “Eu quero ser feliz agora”.


O começo da música diz: “Se alguém disser pra você não cantar / Deixar teu sonho ali pr'uma outra hora / Que a segurança exige medo / Que quem tem medo Deus adora”. E outro trecho que é assim: “Se alguém vier com papo perigoso de dizer que é preciso paciência pra viver. (...) Que Deus só manda ajuda a quem se ferra, e quando o guarda-chuva emperra certamente vai chover”. E por fim, o cantor completa: “Não acredite, grite, sem demora... Eu quero ser feliz Agora”.

Da mesma forma que a criação dos filhos, a religião e a nossa cultura está baseada na questão do medo como cimento que mantem unida a estrutura social. Ao menos é nisso que muita gente crê. Muitos fazem o “bem” ou o “certo” como forma de não se prejudicarem num futuro. Acabam fazendo não porque sua atitude é boa ou correta, mas por medo.

Você tem clareza disso? Que imagem de Deus é essa que estamos passando para os outros? Que Ele se alimenta do nosso medo, da nossa submissão, da nossa pequenez? Que Ele tem poder absoluto, que tudo sabe sobre nós e não podemos cometer a mínima falha porque Ele está sempre de olhos em nós?

Sim, eu exagerei nas pinceladas aqui, mas existem aqueles que creem justamente nisso. E, pior, acabam reproduzindo em figuras concretas, terrenas todo o poder divino de punição e orientação. Há muitos padres, líderes de comunidades e coordenadores de grupos que “governam” muito mais pelo poder do medo do que pela autoridade do serviço que prestam.

Governar pelo medo é muito mais fácil do que governar pelo diálogo, pela discussão, pela resolução de conflitos. Mas por outro lado, capacita menos pessoas. Quem é governado pelo medo, vê este como único modelo de lidar com os outros. Afinal, na cabeça destes, os outros são sempre incompetentes demais para lidarem com a pressão e com as decisões. Precisam ser mandados, manipulados por assim dizer.

Há sim lideranças centralizadoras na Pastoral da Juventude. E, creio eu, que muitos destes jovens só reproduzem os modelos que aprenderam em suas comunidades de origem. Quem está a frente de uma comunidade de base, de um grupo precisa desde cedo, desde a catequese, a valorizar o diálogo e a apresentar a imagem de um Deus que é Amor, que liberta das opressões. 

Não digo que o medo seja ruim. Ele é importante para que evitemos certas situações, mas ele não pode ser o mote da nossa vida. Não posso criar meu filho com medo de mim porque ele pode crescer com a imagem de um pai severo que só pune e acabar achando que um pai deve ser assim.

Quem faz o bem pelo medo da punição, acaba fazendo o bem apenas pela obrigação. Não é pelo medo do inferno que a gente dedica a vida pelo Reino de Deus e por uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Este propósito já tem um alto valor em si mesmo. Não precisa que o reforcemos por conta de um opositor.

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