quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Maioridade penal: e aí?

Era um grupo de jovens reunido numa manhã de domingo. Passados os momentos iniciais da reunião, a coordenadora seleciona um voluntário do grupo com menos de 18 e com mais de 16 anos e o coloca numa cadeira ao centro do círculo formado pelos demais integrantes. Em seguida, divide a turma em dois grupos. Explica que ali seria feito um júri simulado.

A primeira metade iria atacar o réu (aquele jovem ao centro do círculo) e a outra metade iria tentar defende-lo. Situação bem simples. Só faltava dizer o que o jovem teria feito. Ele em si não fez nada, explicou a coordenadora. Mas na figura dele seria julgada a redução da maioridade penal. O grupo favorável à redução da maioridade penal apresentaria seus argumentos e o contrário tentaria rebatê-los. E assim, deu-se início.
 
O argumento básico para diminuir a maioridade penal é bem simples. O sujeito pode votar, pode doar sangue, mas não pode ser responsabilizado por crimes que venha a cometer. Isto é uma incoerência. Admitir que ele não tenha capacidade de discernir o certo do errado é ignorar a inteligência deste jovem. Com essa idade ele já não pode escolher que faculdade fazer? Nesta idade alguns já têm filhos. Não é uma decisão ‘adulta’? Por que não podem responder por seus atos? A TV e os jornais mostram hoje cada vez mais crimes cometidos por menores. Quem mata por maldade, por exemplo, merece punição sem piedade. Mas nossa sociedade os protege demais. Se a família não os educa adequadamente, que a sociedade o faça. Eles precisam aprender que para toda ação há uma consequência. É preciso que entendam que há limites, senão vira bagunça”.


A advogada de acusação pigarreou e depois continuou:


"Pelas nossas leis, um menor de idade que cometer um crime pode ser advertido, obrigado a reparar o dano, prestar serviços à comunidade, ter a liberdade assistida, ser inserido num regime de semiliberdade ou ser internado em estabelecimento socioeducativo por até três anos. Não pode ser encaminhado para uma prisão. Mas sabemos que estas unidades socioeducativas acabam se tornando uma escola de bandidos. Por isso três anos é muito pouco para mantê-los presos. Eles saem piores de lá. E, espantem-se, com a ficha limpa! Traficantes usam os menores de idade e lhes oferecem cola de sapateiro, crack, cocaína e armas para matar porque têm certeza da impunidade. Ora, vejam, mas como não são os políticos que sofrem com este mal, e sim nós, seres comuns, pagadores de impostos, as leis não mudam. É preciso que nós, cidadãos de bem e cumpridores da lei façamos a pressão popular. Se estes jovens não podem melhorar, é porque a educação está falha. Mas não podemos esperar a mudança educacional acontecer. É preciso punir quem pratica o mal. E tenho dito".

A palavra foi passada ao segundo grupo. Eles haviam anotado todas as observações feitas pelo primeiro grupo. Uma represente se levantou e começou a expor:
“Analisemos os critérios apontados pelos nobres colegas para reduzir a maioridade penal. Eles começam afirmando que quem pode votar, escolher faculdade, ser pai ou mãe também pode responder por um crime que tenha cometido. Claro que pode. Aliás, eles também afirmaram que isto já acontece. Está na lei. No Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas a ideia deles não é essa. Eles querem penalizar o adolescente e o jovem como se penaliza um adulto. E por quê? Uma primeira ideia é de que por trás deste argumento está a demonização da adolescência e da juventude. ‘Desconfiamos de vocês. Não sabem votar, escolher uma faculdade ou criar filhos. Se nos criarem problemas, cadeia em vocês’. Eles acreditam que o adolescente ou o jovem não é alguém que possa ser integrado e motivado a buscar a felicidade, mas sim um inimigo em potencial. É alguém sob o qual deve-se manter vigilância constante. Porém, alguns de seus argumentos se baseiam em mentiras e no apelo à emoção, senão vejamos”.
 O outro grupo entreolhou-se, mas ela continuou.
“Quando dizem que o número de delitos cometidos por menores de 18 anos aumentou porque isso aparece mais na TV e nos jornais, na verdade é uma mentira. Os crimes cometidos por adolescentes e jovens menores de 18 anos não chegam a 10% dos crimes cometidos no Brasil. Claro que as notícias chocantes que aparecem na mídia geram um óbvio sentimento de indignação. No entanto é preciso saber que as estatísticas apontam que apenas 2 em cada 1000 adolescentes e jovens menores de 18 anos se envolvem em crimes. Não é possível, portanto associar uma onda de crimes a todos os jovens. Ainda acrescentam que toda maldade no crime deve ser punida impiedosamente. É a volta do olho por olho, dente por dente; é a famosa Lei do Talião que está por trás. Mas essa idéia certamente é equivocada. Basta olhar os índices dos crimes em países com regimes extremamente rígidos. Com todo aparato e repressão, ainda assim não conseguiram reduzir ou resolver o problema da violência. A maior necessidade está no cumprimento das leis que já existem.”

“Criminalizar o adolescente ou o jovem significa jogar sobre as costas das camadas mais pobres e carentes da sociedade todo o peso da lei. Façam uma reflexão e olhem para os presídios atualmente. Quem é a maioria lá? São pobres e negros. Para quantos a estrutura da nossa sociedade ofereceu garantias de integração? Por que entre os jovens criminalizados seria diferente? Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa. É encarcerar mais cedo a população pobre jovem, apostando que ela não tem outro destino ou possibilidade. Além disso, todos nós sabemos que prender os criminosos não é garantia e nem diminui os índices de criminalidade. Cadeias e penitenciárias estão inchadas. É possível acreditar que um ambiente assim possa educar um adolescente ou jovem e reinseri-lo na sociedade?”

“Afirmar que a lei é frouxa é um erro. O que ocorre é que as determinações que existem no ECA não são cumpridas ou o são de maneira inadequada. Muitos adolescentes e jovens que são privados da sua liberdade, por exemplo, não ficam em instituições efetivamente preparadas para reeducar estes adolescentes e jovens e acabam reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. Um ambiente adequado para cumprimento de medidas sócio-educativas precisa contar com profissionais preparados e recursos adequados para recuperar o ser humano. É preciso apresentar perspectivas à estes adolescentes e jovens. Para uma pessoa sem perspectivas, qualquer horizonte serve, seja o do abandono, do crime ou do perigo da morte”.

Ela também pigarreou, olhou para o outro grupo e depois para o jovem no centro do circulo e continuou:
“Se os bandidos e traficantes usam os menores de 18 anos hoje para cometer os crimes, claro que continuarão usando os menores de 16, 14 ou 12 anos, conforme forem reduzindo a maioridade penal. Não é disso que precisamos. É urgente e necessária a implantação de programas e estruturas para a execução das medidas socioeducativas previstas no ECA. E é tão, ou mais necessária, a realização de políticas públicas de juventude para sua inclusão social e cultural. Reduzir a maioridade penal isenta o Estado do compromisso com a construção de políticas educativas e de atenção para com a juventude. E sem estas políticas, nosso país não terá aberto democraticamente para toda a população as portas para o futuro, já que hoje somente um de cada dois destes jovens estuda atualmente no país. Quando há um discurso que insiste em falar só da maioridade penal, há um desvio do olhar para todos os problemas já ditos, como: desigualdade social, impunidade, falhas na educação, falta de políticas publicas e isto não ajuda a nos contrapormos a valores tão em voga na nossa sociedade: consumismo, hedonismo, prazer pelo prazer e individualismo”.

“O que pouco se fala nesta conversa toda sobre a redução da maioridade penal é que é crescente o índice de adolescentes e jovens, de 15 a 24 anos, mortos violentamente no Brasil. Este índice aumenta e muito quando olhamos para as periferias das nossas cidades. E fica ainda maior se olharmos somente para adolescentes e jovens negros. Não se pode mais deixar de prestar atenção a esta triste realidade. É urgente que organizações, entidades, igrejas e poder público se unam no mesmo grito: ‘A JUVENTUDE QUER VIVER’. Mas isto não pode ser de um jeito qualquer. Queremos vida e vida em plenitude para a juventude. Adolescentes e jovens precisam ser reconhecidos(as) como sujeitos desta sociedade. Por isso, merecem cuidado, acolhida, respeito e, principalmente, oportunidades”.

Dito isto, os grupos foram desfeitos. Argumentos foram anotados em cartazes e todos puderam ser júri. Quais foram os melhores argumentos? Se você fosse desse grupo, como votaria?

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