quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Precisa acabar assim?


Há tempos ele já vinha percebendo que a relação não estava lá aquelas coisas. Ela exigia muito e ele sempre dando muito. Os momentos de satisfação que eles partilhavam eram cada vez em menor número. Ele sentia que estava vivendo um período de obrigações e não de entrega verdadeira.

Ela, por outro lado, era de fato bem exigente. Não era consumista, narcisista, egoísta ou qualquer outro “ista” que você possa imaginar. Seu lado exigente estava em querer atenção e dedicação. 

Eles tinham sonhos em comum quando a relação começou. Ela apontava um mundo novo, de possibilidades e de encantamentos. Ele tinha um vigor juvenil que o tempo e a história foram consumindo.

Para alguns amigos dele, ele dizia que queria dar um tempo, afastar-se dela. Viver outras experiências, tentar sentir saudades. Alguns deles tentaram movê-lo desta ideia. Propuseram a ele que tentasse novamente o diálogo. Dissesse a ela seus problemas e dificuldades. Ele confirmou que já havia até tentado fazer isto anteriormente. Mas as obrigações e a rotina diária acabaram por matar o assunto.


Então ele tomou a decisão. Daquele final de semana não passaria. Estava se sentindo sufocado, angustiado, doente. Iria dizer a ela que a relação entre eles chegara ao fim. Que ele precisava tocar um novo projeto para sua vida. Ele aproveitaria o momento propício e daria seu basta. Na assembleia diocesana da Pastoral da Juventude, ele abriria mão do serviço de coordenador.

Esta pequena crônica é muito comum. Há muita gente que adoece nas coordenações de pastoral da juventude. Muita gente boa, dedicada, com muito amor no coração e disposição de ajudar o próximo. Quando a gente encontra uma situação destas, sempre duas perguntas rondam o caso: Precisa acabar assim? Há ainda alguma coisa que possa ser feita?

Não. Não precisa acabar desse jeito. Mas é preciso muito cuidado para que a situação possa ser revertida. Há uma série de variáveis nesta história toda. Existem as relações interpessoais e institucionais, bem como as opções pessoais e a própria estrutura da pastoral. Tudo isso conta. Tudo isso influencia. Quem está disposto a colocar o dedo na ferida para limpá-la? Gostaria de partilhar algumas impressões e sugestões para tentarmos tratar do tema.

Quando digo que as relações interpessoais pesam, falo de todo o grupo. Quem exerce o serviço da coordenação tem algumas tarefas. Esta pessoa tem que estar atenta ao grupo. Mas os integrantes também devem exercitar o cuidado com a coordenação. Já vi muitos grupos que deixam os problemas todos para o coordenador resolver e nunca oferecem ajuda. E já vi muito coordenador puxando todas as responsabilidades para si e não dividindo com ninguém. No fim das contas, quem é que tem saúde para aguentar uma situação assim?

Outra coisa fundamental neste aspecto é a abertura para críticas entre os participantes do grupo. Faz parte do amadurecimento humano a crítica construtiva levada a sério. É o que chamamos de correção fraterna. Na Pastoral da Juventude usamos muito a Revisão de Vida e Prática para auxiliar neste ponto.

Se olharmos, no entanto, as muitas lideranças que desanimam num ou noutro momento da caminhada da vida pastoral, boa parte delas terá uma história sobre o desencanto com a Igreja. Quem dera, meus caros, que isso acontecesse só na PJ. De fato, a vida comunitária tem seus desafios e problemas e todo grupo eclesial tem suas “pérolas” para partilhar.

Muitos coordenadores apontam a falta de apoio do clero. É fato que nem todo padre tem carisma para trabalhar com a juventude, mas a queixa maior não é nem essa. Falta a muitos sacerdotes a sensibilidade de dizer uma palavra de apoio e incentivo quando a pessoa que está à frente de um grupo de jovens ou de uma coordenação paroquial ou diocesana encontra-se em dificuldades. É preciso compreender que os padres também passam por momentos em que precisam de apoio e incentivo, afinal são tão humanos quanto qualquer um de nós. É preciso estar atento em ambos os casos.

Há ainda aqueles que fazem oposição a toda e qualquer iniciativa do grupo pastoral. Estes causam feridas maiores. E para casos assim, a recomendação que me fizeram certa vez foi a de rezar. Quando seu coração estiver machucado pela ação de uma liderança eclesial, reze por ele e pela dor que você está sentindo. Milagres realmente acontecem quando depositamos no colo de Deus estas aflições.

E pode parecer difícil, mas estar firme em seus propósitos é um passo essencial para mudança dos corações daqueles que lhe fazem oposição. Mantenha-se sempre respeitoso. Sempre que possível apresente seu ponto de vista e esteja aberto à correção fraterna. Já disse aqui e repito, palavras podem emocionar, mas o testemunho coerente é que arrasta as multidões.

No aspecto pessoal, procure sempre trabalhar a abertura ao próximo. Desprenda-se do orgulho, partilhe sentimentos e não busque acumular vantagens. Ninguém será um bom coordenador se estiver procurando “aparentar ser”. Coordenar um grupo é estar a serviço e não servir-se do grupo para aparecer e garantir status. Prepare sempre alguém para ficar em seu lugar. Não tem cabimento um coordenador ficar anos a frente de um grupo. 

E para que também se fale da pastoral, é importantíssimo frisar: Se a forma de se organizar a PJ por aí não está funcionando, é preciso mudá-la. Não tenham medo em fazê-lo. Se há acúmulo de tarefas nas mãos de poucos, façam diferente. Se ninguém do grupo, por exemplo, não dá conta da tesouraria, chamem outra pessoa para este serviço. Sejam criativos na hora de se organizar. A estrutura precisa ser leve. A missão é mais importante.

Outro item da estrutura pastoral que precisa ser levada em conta é a sempre necessária figura da assessoria. Um bom assessor ou boa assessora ajuda nos momentos de crise e de discernimento. Contribui para iluminar os caminhos e apontar alternativas. É a figura do diálogo e da carga histórica. Todo grupo precisa de alguém assim.

E, além de assessorar, esta figura precisa desenvolver o serviço de acompanhamento pessoal da equipe de coordenação. Há crises que são muito pessoais e que precisam de alguém com mais maturidade pastoral e de vida para serem partilhados. E digo novamente: ter alguém para o serviço de assessoria e acompanhamento é fundamental para a vida pastoral.

Por fim, posso dizer: Não há porque se desesperar. Um passo atrás, por vezes, é necessário para poder enxergar melhor o cenário que está adiante. E mesmo que a realidade não aponte alternativas, já dizia Gabriel, o Pensador que “pra quem sabe olhar pra trás, nenhuma rua é sem saída”.

2 comentários:

  1. putz grila Rogerio!! que reflexao de tirar o chapéu.. ainda mais quwe reflete bastante do momento que estou vivendo! :/

    axé, Sá

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  2. Parabéns Rogerio!
    Bela Baita reflexão.
    Obrigado por partilhar conosco suas reflexões e obrigado por nos ajudar a continuar firmes na caminhada.
    Grande Abraço!
    Axé.

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