domingo, 21 de abril de 2013

Ah, esse cara...


São três anos do blog “E por falar em pastoral...”. Com este são 164 textos em 156 semanas. Quando eu comecei havia bons blogs nos quais eu me espelhava. Hoje a maioria deles está dando um tempo ou foram desativados. Em compensação, outros começaram e foram adiante. 

Este blog me deu a chance de conhecer gente que eu nem imaginaria conhecer. De trocar experiências, de aprender e ensinar. De viajar nas ideias, de servir de inspiração, de poder partilhar sentimentos, conhecimento e experiências. E de reencontrar pessoas.

Por causa deste blog me vi reencontrando por estes dias um amigo a quem não procurava há cerca de 24 anos. É tempo mesmo, não? E se era amigo, é natural que tivéssemos muito que conversar, que ouvir um do outro.


Eu sou muito mais de ouvir do que de falar. Não saio falando sem freios. Deixei-o primeiro me contar da vida dele e da sua visão de mundo. Que decepção. Quanto mais ele falava, mais eu percebia o quanto a vida e seus mistérios, bem como as escolhas que fazemos acabam por nos transformar e por distanciar velhos e bons amigos.

Não sou do tipo que julga o sujeito logo de cara, mas creio que ele não estava feliz. Havia muita amargura na sua fala, apesar da alegria inicial pelo fato de eu tê-lo reencontrado. Sua vida profissional era estável. Ele ganhava bem. E, por várias vezes, repetiu para mim o quanto isso tinha sido importante para ele. Com o seu salário ele comprou uma boa casa, um bom carro, uma boa chácara. Fazia viagens longas para os recantos mais bacanas do mundo. Era consumo, consumo, consumo.

Falou da antiga esposa, namorada da época da faculdade, pouco antes de ele começar a ganhar dinheiro. E do desgaste financeiro e emocional que foi a separação. Não, ele não se casaria de novo. Mulheres, para ele, eram só para um prazer passageiro. Ele disse que era melhor assim, mas não senti firmeza nesta afirmação.

Prazer e poder. Para ele era isso que movia o mundo e as pessoas. Intervi lembrando-o da utopia, mas ele me cortou. Sonhos e utopias haviam morrido. Não havia mais espaço no mundo para eles. E quem quiser ser alguma coisa na vida tem que se ajustar a este sistema. Escolas, famílias, igrejas tem que ajudar as pessoas a perceberem que este é o caminho de uma paz possível, onde cada um saiba seu lugar.

Enquanto ele destilava seu discurso, um rapaz mirrado, sujo, roupas surradas e cabelo desgrenhado veio próximo de onde estávamos pedindo uns trocados para comer qualquer coisa. Antes que eu pudesse puxar assunto com ele, meu amigo o espantou com palavras agressivas e ameaças. Depois se voltou para mim dizendo que estes eram os que não se ajustariam ao sistema. E para eles o lugar ou era a cadeia ou a cova.

Tentei persuadi-lo lembrando-o que estas pessoas podem não ter tido as mesmas oportunidades que nós. Ele, no entanto, negava-se a discutir este ponto de vista. Os pobres eram o sinal visível de que o sistema perfeito que ele pregava não tinha lugar para todos e, em sua opinião, todo sinal de contradição deveria ser tirado de vista ou eliminado.

O que teria feito esta pessoa ser tão fria às realidades do mundo? Éramos tão próximos. O que aconteceu que o fez tão diferente de mim? Por que ele não olha com criticidade as notícias que os meios de comunicação divulgam? Por que ele não demonstra o mínimo de amor ao próximo?

Por causa deste blog me vi reencontrando por estes dias um amigo a quem não procurava há cerca de 24 anos. Apesar dos pesares foi bom reencontrá-lo. Apesar dos pesares, foi bom reencontrar-me. Ah, esse cara... Esse cara sou eu. Ou seria eu, caso não tivesse feito determinadas escolhas e conhecido a PJ.

Foi pela PJ que eu aprendi a ter um olhar diferenciado da realidade. A formação integral nos trata como seres inteiros realmente e trabalha nossas limitações, contradições, valores e qualidades. Nossa metodologia pauta nossas ações a partir da realidade e de um olhar cristão de transformação. Nossa prática é orientada pela vida digna e pela transformação de uma sociedade onde caibam todos.

Como eu sou grato por ter conhecido a PJ há 24 anos. Sou grato aos salesianos e salesianas que conheci e que me acompanharam nos primeiros anos. Sou grato aos grandes amigos da Paróquia Santa Luzia, onde fizemos tantas coisas boas. Sou muito grato às companheiras e companheiros da diocese de São Miguel Paulista onde pude firmar minha opção pastoral com um olhar concreto. Aos pejoteiros do SP2 e do Sul1 que ampliaram meu olhar para além do meu território e me mostraram que o compromisso é grande e assumido por muitos e muitas. Grato a tantos outros que ajudam a fundamentar e espalhar nossos princípios pastorais: aqueles que escrevem livros, blogs ou postagens, aqueles que montam celebrações, retiros ou encontros, aqueles que gastam seu final de semana visitando grupos e tocando reuniões, aqueles que aproveitam as brechas na semana para discutir presencial ou virtualmente a próxima ação em defesa da vida da juventude, aqueles a quem conheci por conta deste blog e a todos e todas que creem na força do jovem que segue o caminho de Cristo Jesus.

2 comentários:

  1. Emocionante! Poder ler essas linhas, de 24 anos de caminhada e lembra que só tenho 3 anos e meio, dão-me muito mais força para caminhar. Nós poderíamos nos apegar ao ego e abandonarmos esse lugar, mas resolvemos ficar "um pouco mais"... Quem sabe não provoquemos um incêndio por aí.
    Que Deus continue te iluminando, que Jesus libertador continue nos mostrando quem precisa ser acolhido, amparado, motivado e salvo.
    Que nossa mãe preta aparecida interceda por nossa luta, por nossos ideais. Sabemos o quanto é difícil manter nossos sonhos, nossa utopia; precisamos estar em sintonia com nossa fé, para continuarmos a construção do Reino de Deus.
    Parabéns pelo texto e pelo Blog. Mais de uma postagem por semana é muito difícil, precisa saber muito bem o que se acredita, para ter tanto pra falar. E, um pedido: não pare de nos presentear!
    Axé, irmão!

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  2. Quero te cumprimentar pelo seu texto e seus sentimentos. Confesso que reconheço este sentimento ao reencontrar um amigo. Será uma sindrome "pejoteira"? será que outras pessoas não conseguem se colocar no lugar do outro?...será que as pessoas só são generosas com os menos favorecidos no Natal e na Páscoa?!!!Convivi com a PJ há uns vinte anos e atualmente atuamos na assessoria. Consigo educar meus filhos para ter uma convivencia mais conciente e prazerosa pelas coisas simples e fraternas na vida e nunca desistir de lutar pela justiça social e um olhar critico da realidade.

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