segunda-feira, 8 de abril de 2013

Eu estou aqui. Pode me enviar


Era assembleia da Pastoral da Juventude daquela diocese. A turma iria modificar a coordenação diocesana e apontar as prioridades do ano seguinte. Assembleias sempre são momentos importantes na vida pastoral, decisivos mesmo. Era a primeira assembleia em que ele era delegado. Desde o tempo em que participava do grupo de jovens ouvia falar da importância destes momentos. Agora estava ali, vivendo a história.

Sua vida pastoral sempre fora paroquial, nunca havia ido para uma instância além daquela. Portanto ali, tudo parecia novidade, tudo parecia grande. Ele observava e se sentia meio intimidado. E se dissesse algo que estivesse fora do contexto? Falta de experiência é fogo. Decidira que ficaria só observando.


A assessoria era muito boa e a metodologia excelente. Na Pastoral da Juventude sabe-se o valor dos grupos pequenos e como as discussões promovidas por eles podem enriquecer um processo pastoral. Pessoas que nada dizem nos grupões e na plenária, abrem-se com maior facilidade quando estão num grupo de poucas pessoas. E assim foi feito.

Ele pôde ouvir a respeito dos desafios da juventude na região e como os meios políticos, sociais e culturais estavam relacionados como suas causas. Aquilo o impressionou muito. Nunca lera sobre esta relação assim, de maneira tão explícita e tão profunda. Nunca ouvira alguém comentar sobre estes fatos de um jeito tão claro e franco. E, por fim, ele se perguntava se haveria saída para esta situação.

A parte da tarde do sábado, porém, ajudou a clarear estas questões. A assessoria trabalhou o texto de Isaías e sua vocação (Isaías 6,1-13). Foi deste mesmo texto que foi retirado o lema da Campanha da Fraternidade de 2013. Ele se identificou com o profeta. Também ele se sentia perdido. Também ele queria fazer algo, mas não tinha coragem. Como ele invejou Isaías por ter assumido um compromisso tão desafiador.

E aquela cena da leitura ficou em sua cabeça pelo fim do dia, invadindo o horário do banho, do jantar e da celebração da noite. Entre guaranás, sucos e salgadinhos, as reflexões voltavam à sua memória no momento da noite cultural. Entre músicas, poesias e danças, ele foi se deixando levar pela alegria. Eram risadas e causos contados. Eram sorrisos e abraços. E ele foi se recolher ao quarto, sem mais se lembrar da passagem. 

Acordou num outro lugar. Entre nuvens, mas com os pés no chão. Onde estavam as outras camas? Onde estava seu armário? Onde ele estava? Era um campo aberto, grama orvalhada. Entre fumaças e cheiro de incenso ele sentiu por diversas vezes que algo passava voando ao seu lado. Em seu coração e em seus ouvidos ele escutava uma canção que parecia um refrão de salmos. Repetia-se “Santo, Santo, Santo. É Emanuel, Deus Conosco. Sua glória enche toda terra”. 

Ele sentiu que Deus estava ali presente. E se sentiu pequeno e envergonhado. Diria ele alguma coisa? Melhor seria ficar calado. Era jovem e sem experiência de vida nenhuma. As nuvens se dissipavam. Percebeu que estava no alto de um monte e que de lá ele poderia ver muitos lugares. Viu a sua realidade difícil. Viu que jovens eram mortos todos os dias e que a maioria era negra como ele. Viu que muitas mulheres jovens eram desvalorizadas. Viu o preconceito sofrido pelos homossexuais. Viu como a falta de emprego, saúde e educação são instrumentos cruéis da falta de vida e dignidade. E como ele desejou novamente que houvesse um Isaías para poder denunciar tudo aquilo.

Ao longe, ainda sobre o morro, ele viu a mesma Bíblia que utilizaram na noite anterior durante a celebração. Ela estava ao redor de pedras em brasa, como se uma fogueira tivesse sido acesa ali. Sem que ele pudesse imaginar, um dos seres que voavam ao seu lado foi até lá e trouxe a própria Bíblia que brilhava como se estivesse em brasas. Ele tocou-a em sua cabeça, boca e peito. Sentiu-se diferente, encorajado.

O Evangelho da noite anterior se fez forte em sua mente. “Eu vim para que todos tenham vida. Vida em ABUNDÂNCIA”. Repetidas e repetidas vezes até que calou fundo no peito. E novamente a mesma voz forte se fez ouvir em seus ouvidos e em sua mente: “É uma realidade difícil esta que está lá embaixo. A quem eu enviarei. Quem irá em nosso nome?”. Cheio de vontade, ele respondeu: “Eu estou aqui. Pode me enviar”. E ele então acordou.

Tudo realmente fazia sentido agora. Repercutia ainda em sua mente a frase do Evangelho em que Jesus dizia “Eu vim para que todos tenham vida e vida em abundância”. Era sua missão também. Seguidor de Jesus. Profeta como Isaías. Jovem da Pastoral da Juventude. A realidade é cruel com quem é mais fraco. Mas Deus quer vida para todos. E vida plena, vida cheia, vida completa. É um mandato divino. É um mandato difícil. Mas é necessário.

Denunciar todo este sistema de morte. Anunciar que ele precisa deixar de lado todo instrumental supérfluo e ficar somente com o que é essencial. Abrir mão. Quem disse que a missão é fácil? Quem disse que ser enviado no meio da juventude e denunciar tudo aquilo que lhes tira a vida é algo simples? É preciso uma PJ bem profética. Vivemos tempos de profetismo. Ele é necessário. Temos os lábios purificados pela brasa do altar. Diante desta realidade que nos incomoda, teremos a coragem de respoder a Deus quando ele nos interpela? "A quem enviarei?" Ei nós aqui. Pode nos enviar.


PS. A foto que ilustra este artigo é da XV Assembleia Diocesana de Líderes de Base de Barreiras (Bahia). O texto não se inspirou nesta assembleia. A foto foi escolhida (no site da PJ Nacional) por ilustrar bem a ideia do presente texto.

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