terça-feira, 4 de junho de 2013

Literatura (na) pastoral

Você gosta de ler? Talvez não seja esta uma boa forma de abordagem para iniciar uma conversa, principalmente se você não for do tipo que goste de viajar na leitura. Muita gente não gosta e muita gente perde uma excelente oportunidade de aprender mais.

Na pastoral da juventude, tal prática merece sempre um incentivo. Todo ano saem materiais novos, roteiros de encontros, celebrações, textos formativos para todos os níveis e graus de participação pastoral. As mídias também são as mais variadas. Tem o jornal impresso, o blog, os roteiros digitais, o livro publicado. Cada um com sua especificidade. Cada um com seu público.

Houve um tempo na história da humanidade em que as pessoas não podiam ler. Não podiam porque não sabiam. E não sabiam porque ninguém as ensinava. E não se ensinava porque, na maioria das vezes, tal qual naquele tempo como hoje, informação é poder. 


Passado este tempo, alguns homens passaram a poder aprender. Mulheres não. Afinal para que elas precisariam? As funções domésticas de então não apresentavam tal necessidade. A sociedade era (era?) patriarcal e, como disse a respeito de informação e poder, não havia um motivo em compartilhá-los com elas.

Livros tinham a informação. Poderiam ser um instrumento importantíssimo na apresentação de novas questões. Novas questões podem trazer inquietação e inquietações podem levar mudanças de posturas, posições e estruturas.

Hoje, livros, blogs, jornais, revistas, portais de internet e páginas nas redes sociais também tem o mesmo “papel”. Podem inquietar, poder mudar pessoas e ações. Estas mesmas publicações, no entanto, podem machucar, trazer meia verdade, meia mentira e inquietações inteiras. O que se faz para que se evite isso? Na sociedade autoritária onde, desde sempre, se sabe que informação é poder, basta simplesmente proibir. 

E sob o mesmo corte do facão se ceifam os difamadores e portadores da meia verdade, bem como aqueles que querem mostrar o lado B do sistema. Não é fácil separar o joio do trigo, bem dizia Jesus. É preciso que ambos cresçam para que na hora da colheita um seja separado do outro. Então vale adotar a posição passiva e ver o joio se disseminar? Penduremos esta questão.

Passou o tempo dos livros oficialmente proibidos. Passou também o tempo em que as mulheres eram impedidas de aprender. A difusão do ensino foi cada vez sendo mais ampliada. Não sou um historiador e nem um especialista em educação. Tenho bons amigos e leitores deste blog que o são. E conto com eles para ajudar nestas questões. Mas sinto que mesmo com a difusão da leitura num universo bem maior do que em tempos antigos, este bom hábito não fez com que as pessoas mudassem a si próprias e nem que elas mudassem muitas estruturas corrompidas e estragadas nas quais vivemos. Por que será?

Minha aposta é que as pessoas leem mal, leem pouco e leem o que não faz muita diferença. O que é ler mal? É não entender as entrelinhas, o contexto, o intertexto e as referências, é não viajar nas metáforas, nas parábolas, nos sonhos apresentados. É ler e não dar o passo além. 

Acho que lemos pouco também. Isso não sou eu quem diz. São as estatísticas. Houve uma queda no número de leitores no país: de 95,6 milhões, registrada em 2007, para 88,2 milhões, com dados de 2011. O índice representa uma queda de 9,1% no universo de leitores ao mesmo tempo em que a população cresceu 2,9% neste período. 

E, por fim, acho que o que lemos não faz muita diferença. Há muito texto por aí no estilo “água com açúcar”. Dependendo do estado de espírito são bons, até necessários, mas não sustentam. E muita gente vive na leitura “água com açúcar”. Para viver, precisamos de mais “substância”. Precisamos de conteúdo, mas precisamos também da poesia. Necessitamos dos dados frios da realidade cruel, mas não podemos abrir mão da fantasia. Há a urgência da prosa e da filosofia, da história e das estórias, do verso decassílabo e da literatura marginal.

São Paulo nos lembra de que tudo nos é permitido, mas nem tudo nos convém. Há um universo literário por aí a ser descoberto. Tudo valeria a pena? Não se corre o risco de corromper uma pessoa pela má leitura? Como separar o joio do trigo? “Deixando os dois crescerem juntos”, disse Jesus. E voltando à questão pendurada anteriormente, digo que não é tendo uma postura passiva que se resolve a questão. 

Tenho para mim que toda leitura é válida. Até dos livros mal intencionados, até das publicações tendenciosas, até daqueles autores que não tem a mesma linha que a gente. Quem fala diferente de mim, faz com que eu me questione. Eu posso firmar minha posição (agora com uma maior convicção) ou posso revê-la. Quem é tendencioso ou mal intencionado naquilo que publica nos apresenta um excelente instrumento de debate.

Na pastoral, primamos pelo crescimento da consciência crítica do jovem e eu não vejo ferramenta melhor do que isso a não ser a contraposição de ideias e o debate. Por isso penso que um livro, um artigo, uma publicação tem um valor muito menor se ficam parados na leitura feita por uma pessoa só. Textos valem muito mais se forem compartilhados, debatidos em suas qualidades, defeitos, argumentos e contra-argumentos. Aprendi muito com as dicas que me deram, com as reflexões que fiz em grupos ou duplas e com os textos que me passaram e que eu tive que apresentar.

Partilha, meus caros. Esta aí a alternativa que ajuda a separar o joio do trigo. É a leitura compartilhada, dividida, discutida, debatida e reinterpretada. Por isso que PJ se faz em grupo. Porque não temos todas as respostas numa pessoa só. Porque não temos todas as possibilidades de entendimento senão debatermos. Porque não temos gurus e iluminados nos grupos, mas companheiros e parceiras na vivência e partilha dos conhecimentos. Crescemos juntos e juntas, como iguais, mas diferentes em nosso ser, fazendo o bem e ampliando os olhares com as vivências que experenciamos e com aquelas que a leitura nos presenteia.

PS. Obrigado às irmãs Ortega pela foto!

Um comentário:

  1. Ano passado, participando do Fórum UNGASS Aids - Brasil, uma das expositoras disse algo bastante importante: "não há ativismo sem reflexão". Esta afirmação volta em seu texto e reforça a importância não somente do subsídio, mas do exercício que eles nos convidam dentro da pastoral e num contexto mais amplo: (re)ler. Que seu blog continue sendo uma destas ferramentas que alimenta a nossa busca pelo saber e pode ter certeza que ele está no caminho...

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