quarta-feira, 19 de junho de 2013

Por uma PJ mais libertadora

Escrevo este texto dentro do clima das manifestações que tomaram conta do país pautando a questão do transporte público e a mobilidade urbana, mas que ampliou o leque e também tratou de violência policial, educação, corrupção, gastos públicos e o direito à livre manifestação. Muitos jovens foram para a rua num volume muito maior do que aquilo que me recordo de que tenha sido o movimento dos “cara-pintadas”, antes da queda do ex-presidente Fernando Collor.

Sim, havia muitos pejoteiros nestas manifestações. E gosto muito de ouvi-los falar e de ler as contribuições a respeito da pauta deste movimento todo. Está claro para mim que para muitos destes que se engajam nas lutas pela vida plena da juventude a ideia de uma PJ mais libertadora é algo coerente e vivido no dia-a-dia. Mas e para tantos outros? O que significa esta expressão que dá título ao texto de hoje?


Comecemos pela palavra chave: libertadora. Libertador é alguém ou aquilo que promove a libertação. E libertação é um processo. É o desenrolar, o caminhar que vai de um ponto A, chamado de Opressão, para um ponto B, chamado de Liberdade. Uma PJ libertadora é aquela que facilita este caminhar, este desenrolar.

O texto estaria pronto aí, se este termo libertação não tivesse sentidos diversos, mesmo a partir da definição dada acima. Sim, as pessoas entendem o sentido do termo libertação, mas criam contextos diferentes para opressão e liberdade e que mudam o seu significado dependendo do grupo em que estejam ou para os quais se dirijam. Sendo bem direto e procurando ser didático, distingo três grupos a partir da afirmação acima.

Um primeiro grupo vê o mundo como um lugar cheio de erros, vícios, maldades e deseja viver num mundo de graça, bem, verdade. Parece uma boa ideia, mas esconde quatro perigos. O primeiro é o do maniqueísmo: ou é bom ou é mau, ou é certo ou é errado, ou é opressão ou é liberdade. Esta dualidade deixa pouco espaço para o processo de libertação e tem pouca paciência com quem é mais lento, tem mais dificuldades ou ainda está num contexto mais complexo.

O segundo perigo desta primeira visão decorre justamente do anterior. Em nome do bem, da graça e da verdade, justifica-se tudo, inclusive processos mal conduzidos. Ou se aceita a verdade ou se é expulso do grupo de eleitos. O terceiro perigo está ligado a este. O mundo ideal não tem contextos, é fixo. Àquilo que foi dito, escrito ou determinado não cabem revisões. E sabemos que o mundo muda. O quarto e último perigo é perceber o risco da centralidade sobre quem e como se determina o que é opressão e o que é liberdade, o que é certo ou errado, quem está salvo e quem está condenado.

Um segundo grupo enxerga a opressão mais no aspecto subjetivo e a liberdade apontada na autorrealização. Quem oprime são forças psíquicas e a libertação está na ruptura com a repressão, seja ela psicológica, seja ela institucional. O que diferencia este grupo do anterior? No primeiro a verdade estava numa instituição externa e neste grupo está na pessoa. O mote maior é a da liberdade individual que não aceita amarras. As instituições, segundo este grupo, geram leis, tabus, regras, normas e preceitos que não permite que a pessoa seja livre.

Um terceiro grupo, e é neste que eu enxergo a PJ, entende libertação como “um processo de fazer-se livre de um mundo de estruturas opressivas para uma ordem nova não opressiva” (J.B. Libânio). Vejamos, por exemplo, as manifestações que abriram este texto. Elas foram iniciadas em razão do aumento das passagens nos transportes públicos, em seguida outras demandas foram acrescidas à pauta. Ora, quem é que mais sofre com os aumentos nas tarifas públicas? Quem menos tem recursos.

São, portanto, as classes mais empobrecidas que mais sofrem com as estruturas opressivas da sociedade. Não é mais puramente uma questão subjetiva, como apontou o segundo grupo ou um maniqueísmo sem relevos além do bem e do mal como diziam as instituições do primeiro grupo. Libertação, para este terceiro grupo, se dá a partir da necessidade de se transformar estas estruturas opressivas.

Então o sujeito apressadinho em suas conclusões chega neste ponto do texto e diz que o primeiro e o segundo grupo estão errados e que o correto é o terceiro grupo, certo? Conclusão errada, meu caro. A libertação das estruturas opressivas que não vier acompanhada das libertações conquistadas pela objetividade ético-religiosa do primeiro grupo e da subjetividade-liberdade do segundo correm sério risco de se voltarem contra o próprio sujeito.

O que quero dizer? Que a PJ não está reinventando a roda. Nós olhamos a história e vemos os erros e acertos dos grupos que nos precederam. É preciso entender os contextos para entender as decisões que foram tomadas. Se ignorarmos isso, corremos o risco de cometermos erros maiores. Temos a possibilidade de um saber mais acumulado da história humana. É preciso, portanto, compreendê-la para que os processos de libertação sejam respeitados e vividos corretamente em cada contexto.

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