domingo, 11 de fevereiro de 2018

Por uma PJ mais utópica

Há palavras e termos que utilizamos constantemente no meio pastoral. Civilização do amor, espiritualidade libertadora, projeto de vida, planejamento, processo, solidariedade, utopia entre tantas outras. O uso constante de um termo ou expressão, com o tempo, permite que aumente o risco de virar um chavão sem o peso do sentido original que lhe foi dado.

Veja “Utopia”. Por que usamos esta palavra? Por que ela nos é cara e importante? Entre tantas utopias e distopias, para onde escolhemos caminhar? E você? Tem ideia do que afirma quando fala em utopia ou  horizonte utópico?



Palavras como esta tem o risco de serem reinterpretadas. Por isso é importante sempre saber o sentido original que lhe foi atribuído e porque a PJ adotou um e não outro significado. Olhemos inicialmente a palavra. U-TOPIA. A letra “u”, entra como prefixo de negação, e “topia” vem de “topos”, lugar. Ou seja, um “não lugar”. Lugar que não existe.

Um primeiro olhar para isto significa que o que se propõe seria algo irrealizável, pois não está presente em “nenhum lugar”. Pessimismo, portanto. Não há o que se realizar, pois nunca chegaríamos na tal “utopia”. Não adiantaria esforço, luta, ou crença em sua realização. Este “não lugar” não é aqui, não existe aqui e jamais se concretizará de forma definitiva.

É uma maneira de se enxergar. Triste para alguns. Cruel demais para outros. Realista para muitos que compartilham deste mesmo olhar. Conheço muita gente que comunga dessa ideia. Gente de dentro e de fora da Igreja. Pessoas que olham para a história e dizem que ela acabou. Que não há mais saída e que o que temos é o que teremos. Pensar assim cria um imobilismo.

Pensar pastoralmente, no entanto, não nos permite estarmos imóveis. Não nos é permitido ver a vida passar e ser levado por ela. Não. Não é essa a visão que cultivamos, repartimos e alimentamos. Utopia para nós não é uma sentença definitiva. Não é um lugar “que não existe”, mas um lugar “que ainda não existe”. Isto faz toda diferença.

Aí entra o tal do horizonte utópico. Caminhe em direção ao horizonte e você nunca o alcançará, já dizia Eduardo Galeano. Mas esta busca faz com que você caminhe, que não fique parado, imóvel. Esta busca vem carregada do “esperançar”. Cremos que as utopias fazem parte de nosso jeito de sermos humanos. Olhar com esperança para o futuro é acreditar num lugar “que ainda não existe”, mas pelo qual temos um gosto de ver acontecer e por isso nos esforçamos já. E enquanto fazemos isso, vemos pequenos relances deste futuro aqui entre nós.

Nós nos preparamos para a festa, já fazendo festa, mesmo que todo o cenário não indique chance de mudança. O povo do esperançar, não espera a mudança, a faz. Caminha festejando na construção desta transformação. Povo que acredita na utopia, busca uma realidade para além dos sinais contrários que vive. Está na nossa identidade cristã. Está em nossa própria condição humana.

Quando digo que o povo que acredita na utopia como um lugar que “ainda não existe”, mas que busca viver como tal, eu me lembro com carinho do retrato das nossas primeiras comunidades. Está lá em Atos 2, 42-46.

“Eram perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, no partir do pão e nas orações. Em todos eles havia temor, por causa dos numerosos prodígios e sinais que os apóstolos realizavam. Todos os que abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas; vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um.  Diariamente, todos juntos frequentavam o Templo e nas casas partiam o pão, tomando alimento com alegria e simplicidade de coração”.

São valores postos aí no texto que eu enxergo nos seguidores de Jesus, naqueles que acreditam numa utopia que ainda não existe, mas que podemos começar a viver e experimentar aqui, agora. Eu penso nessas pessoas e imagino que elas precisavam cultivar algumas posturas que nos servem de exemplo, de sinais ainda hoje:

  • Resiliência: acreditar numa proposta utópica é saber que movimentos contrários virão. Que mesmo que nos tentem “quebrar”, nós precisamos sobreviver a eles e continuarmos resistentes, mas suaves em nossas convicções;
  • Estamos juntos: utopia é um lugar para o qual não se caminha sozinho e nem se faz sozinho. A comunidade é importante.
  • Partilha com alegria. Seja do conhecimento, do esforço, dos bens. Quem vê de fora, fica admirado como estas pessoas vivem de maneira diferente.
  • Atitude. Não é gente que espera. Quem crê numa utopia, dá passos, marca trilhas, indica caminhos, mostra que um mundo novo é possível.
  • Espiritualidade: é quem permite que todas as características anteriores permaneçam possíveis. É quem proporciona que alimentemos diariamente a utopia. É o canal que possibilita que exercitemos a fé em Deus e a transformemos em obras.


Nossa utopia tem raízes na boa nova de Jesus. É o já e o ainda não. Sabemos pela história que muitos farão todo o esforço para negar nossa esperança, que tentarão tirar nosso ânimo em caminhar e semear. Nosso compromisso é, alimentados por esta experiência evangélica, mostrar pela vida cotidiana, nas pequenas atitudes, nos pequenos gestos, que somos pessoas de esperança e que sabemos onde queremos chegar. 

Como disse o Papa Francisco, em carta direcionada à Pastoral da Juventude, reunida em nosso 11º Encontro Nacional, em Manaus, janeiro de 2015: “Nunca percam a esperança e a utopia, vocês são os profetas da esperança, são o presente da sociedade e da nossa amada Igreja e por sobre todo são os que podem construir uma nova Civilização do amor”. 

Um comentário:

  1. Excelente texto, assessor!
    As primeiras comunidades, creio, viviam neste horizonte utópico. Awere!

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